quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

[Crônica] A dor


A dor é pessoal e intransferível. Uma vez que ela nos tenha habitado, nos tornamos amigos íntimos, amantes de longa data, porque nos conhecemos muito bem. Esse processo pode demorar um pouco, nem sempre conseguimos reconhecer o motivo de ela ter vindo, e nem sempre encontramos a cura mais efetiva.
Mas é assim, por tentativa e erro que nos fazemos mais amigos, mais conhecidos. Com algum tempo, já sabemos até onde e quando ela vai, e o que precisamos fazer com ela.


A dor é como o amor. O amor que se sente é sempre muito mais lindo, muito mais forte, mais poderoso e verdadeiro que todos os outros. Ninguém no mundo pode amar mais que eu! Ninguém entende o quanto meu objeto de afeição me é realmente precioso, o quanto preciso dele para respirar, viver, ser!

A dor, por sua vez, é sempre mais forte, de um jeito que ninguém entende, ninguém sentiu. E com você me olhando, não imagina a dor que estou passando. Não é sempre assim?


Eu sei, eu sei que tem alguém no mundo, nesse exato momento, tendo algum membro amputado. Tem uma mulher dando à luz no meio do mato, tem uma bala atravessando um pulmão, fraturas expostas, chagas, pedras nos rins, ciscos nos olhos, cólicas, artrites, artroses, e a coluna! Ah essa coluna! E as cabeças, então? Milhões de cabeças zunindo o dia todo, e você nem consegue pensar.

É assim mesmo. Todo mundo sente dor, e existe sempre uma dor pior. Que dura mais tempo, que é mais aguda, que limita seus movimentos. E tem ainda aquelas dores mais complexas: o fim, a angústia, o abandono, a solidão, a verdade. Todas dores tão traiçoeiras e... por quê não dizer? Dolorosas!

Às vezes uma dor corresponde a outra. A cabeça dói de pensar. O coração dói de amar. O peito dói de culpa. Os olhos doem de tanto chorar.

Existe uma dor pior? Existe, como eu disse, sempre tem alguma dor pior. Mas eu não quero pensar nisso hoje. Me dói tanto que não quero sequer imaginar alguém sentindo coisas piores do que isso. Então não pense! Pense na cura.

A cura é conhecida também. Ela vem discretamente, tão modesta... é como um monge, entrando silencioso num salão de orações. Ele vê a dor, bem ali, no meio do salão, e a leva embora. É difícil notar que o salão está novamente vazio, mas quando você percebe... Ah, que alegria! Santa cura! Qual será o momento exato em que ela chegou? Qual o tempo exato que levou para fazer seu trabalho?

Não sei. Ninguém sabe a exatidão dessas coisas, depende também da rapidez dos seus neurônios, varia com a temperatura e com o hemisfério onde se nasceu.

Cura deixa no ar aquele delicioso cheirinho de alívio, paz, felicidade. Aquele sorrir sem motivo externo aparente, só de saber que a maldita dor está longe. Talvez não muito longe, talvez não tenha desistido de você por inteiro. E você pensa que está preparado para a próxima batalha (se há uma), mas nunca está.


A cura não dá treinamento. Não aniquila o elemento surpresa.




Um comentário:

  1. A dor e os problemas, pro que sente, que vive, é sempre pior do que a dos outros! E a cura de tudo sempre recebe menos atenção do que é ruim e podre.

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Tá quente aqui, né?