quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

[Conto] Solteira


O fim era inevitável, as palavras foram ditas e nos despedimos com um abraço.

Cada um para o seu lado.

Cheguei em casa sem realmente lembrar do trajeto. No que estive pensando, mesmo? Olhei para as paredes da sala e, por mais que fossem as mesmas paredes desde sempre, por alguma razão, elas pareciam diferentes. Afinal, eu agora não era mais a namorada de Rodolfo enquanto olhava para elas. De algum modo, o branco pareceu tão frio naquela superfície lisa. E eu me senti tão só, rodeada e embrulhada naquela sala, como se fosse o recipiente onde eu agora permaneceria.

Fui à cozinha e peguei um copo d'água. Enquanto bebia, notei como foi automático aquele gesto. Afinal de contas, nosso corpo era composto por 70% de água, eu só estava bebendo aquilo que meu corpo precisava. Sem realmente... sentir sede. Ok, aquilo era estranho.

Eram ainda quatro da tarde. O que eu faria até o final do dia? Preciso ocupar a mente para não chorar. Mas não estou com vontade de chorar. No máximo, estou com uma angústia estranha, como se estivesse faltando fazer algo na rua.

Ah, sim. Talvez pedir mil vezes a Rodolfo que não termine comigo.

Nah...! Melhor não.

Fazer o jantar. Parece uma ótima ideia. Minha mãe vai ficar impressionada com meus dotes culinários  e vai dizer que posso até casar e...



Casamento. Não sei se vou me casar afinal, nem namorado eu tenho mais. Agora estou solteira. Solteira.

"Solteira." - balbuciei para mim mesma.

Um flash divertido passou correndo pela minha mente. As baladas, as paqueras, os finais de semana sem depilar a perna, só vendo filme e comendo chocolate. Foi aconchegante pensar nisso, mas não muito.
Comecei a pegar dos armários o que precisava pra iniciar o jantar. O pote de arroz, os temperos picadinhos dentro de um frasquinho, na geladeira. O óleo. E eu ainda estava com a bolsa pendurada no ombro. Pensando bem, cheguei da rua e sequer lavei minhas mãos. E eu não estava morrendo de vontade de fazer xixi?

Corri para o banheiro e enquanto estava sentada no vaso, sentindo um inesperado alívio, acabei vomitando. Sujei as roupas, a parede e o chão do banheiro. Bom, agora eu realmente tinha o que fazer. Por onde começo? O chão? A calça jeans nova?

Lavei o rosto, decidida a começar pelo chão, porque na casa não pode habitar esse cheiro azedo.
Fiz tudo mecanicamente. O banheiro acabou ganhando limpeza extra, e a roupa só tinha alguns respingos, nada de manchas, foi fácil lavar. Quando terminei de colocar tudo na secadora, senti um cansaço imenso. Passando pela cozinha, em direção ao quarto, vi tudo o que já havia separado para o preparo do jantar, mas já passava das dezoito. Podemos pedir pizza. Rodolfo pediu para comprar atum da próxima vez, que ele comeria ela toda e...

Rodolfo. Ele não viria jantar conosco. "É mesmo!" - eu pensei.

O que se pode fazer? Mas ele podia vir comer pizza, não podia? Naturalmente, e com uma felicidade ansiosa, disquei o número dele. Dois toques e caixa postal. Dois toques. Ele até pensou em atender, mas desistiu. Afinal, o que poderíamos conversar algumas horas, apenas, depois de terminarmos?
Desliguei o telefone e comecei a escolher o arroz. Tarefazinha inútil, porque o arroz já vinha limpinho, todos os grãos branquinhos. Tão brancos quanto aqueles dois fios que nasceram na nuca de Rodolfo.

Rodolfo.

Rodolfo.

Rodolfo.

Aí vem as lágrimas. Um monte delas, e o peito dói a cada uma delas que escorre, como se fossem pequeninas partes de minha alma sendo arrancadas. Direto do coração e puxadas através dos olhos. É um processo antigo e doloroso, vinha de antes da civilização egípcia e eles pensaram em diversas torturas que pudessem imitar essa.

Mas não encontraram nada equivalente.

Um comentário:

  1. Acho que é bem por aí mesmo a ideia do sofrimento causado pelo termino de um algo que tivesse um sentimento.
    No começo não se sabe o que fazer, e ainda conta com a presença do outro, depois caem se as lagrimas e vem do fundo de não sei o que, aquela dor pontiaguda. Que não sai, não para, não vai pra lugar algum e de certa forma é invisível.

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Tá quente aqui, né?