quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

[Crônica] Meu último desvario de amor

Não é surpresa geral que se faça algumas loucuras por amor. Às vezes não tanto loucuras quanto atos estúpidos, irrigados da mais pura burrice. Essa pseudo-escritora/blogueira irá agora compartilhar seu último ato vergonhoso, assim ao léu, para quem quiser ler. Já aconteceu há quase dois anos.

*Juca é um bom menino, como eu acreditava que não existiam mais. Por vontade própria acorda cedo todo domingo para ir a Igreja, ouvir sermão de padre. Joga futebol com os amigos e ocupa a ingrata posição de goleiro. É do tipo alto e magrelo, negro de um chocolate amargo, talvez. Voz grossa, fala mansa.

Juca tem 25 anos, é tecnólogo em uma área da comunicação, orgulhoso do estudo que conseguiu completar, com muito esforço. É humilde, mora nos confins da **Zona Norte de São Paulo. Não tem acesso diário a internet. O salário de todo mês entrega inteiro nas mãos da Mãe, a quem tem total devoção. Quando precisa de um tênis, pede a ela. Quando quer sair para jantar fora, pede a ela. Não tem pai, mora no segundo andar de um sobrado com a adorada Mãe e uma irmã, não lembro se mais nova ou mais velha.

Com exceção de ele ser goleiro, não há nada nessas linhas acima citadas que tenha me feito apaixonar pelo vara-pau. O que me fez cair de amores é que Juca é bondoso e agradecido, e essas são características que não passam despercebidas. Ademais, ele é tímido, reservado e tem uma aura inocente que não lhe convém, do alto de seus 2m de altura.



Ansiosa que sou, quando identifiquei Juca em meus devaneios, em minhas doces fantasias, tratei de seduzir o moço. Vestia uma roupagem (não roupas, roupagem) completamente diferente. Mudei a abordagem, virei a 'Garota, sedutora', uma de minhas cascas, uma que quase não uso.

E não resultou em absolutamente nada. Inocente, tímido e escorregadio, fazia-se de desentendido, desviava o assunto para algo pouco atraente, chamava os outros colegas para a conversa.

Ao invés de eu desistir do distraído proposital (que é o tipo de pessoa distraída mais irritante, naturalmente), dupliquei as investidas. Cheguei a dizer, e eu me lembro perfeitamente da cena, como se flutuasse agora sobre mim mesma, em frente a lojinha de doces importados, o sol escaldante do outono renegado, próximo às 13h, quase o fim do horário de almoço. Ele queria um sorvete, mas eu sabia que não daria tempo de tomar o doce gelado. Quando o colega *Elísio afastou-se para comprar algumas balas, eu soltei:

"Quer dizer que você quer uma chupada?" - com meu sorriso mais depravado, inclinando a cabeça para ele, fazendo a distância entre nós medir menos de 7cm.

Ele, alto e pescoçudo, se pudesse ser a ema que parecia ser, enfiaria a cabeça no chão e lá ficaria até ter certeza de que eu tinha ido embora. Mas ele vestiu as bolas que possuía, não moveu-se um centímetro do lugar, e desviou do assunto com a graça de um menino que ainda não sabe o que é sexo oral. Riu em tons de rosa e disse, observando atentamente algum ponto longínquo acima da minha cabeça "Não. Talvez uma mordida."

Vocês perguntam "Então você o mordeu, não é mesmo?" E eu lhes respondo com outra pergunta: Vocês não leram o que eu disse sobre o menino que não sabe o que é oral? Juca recusou a chupada, a mordida e qualquer outro movimento sexual em sua direção apenas com sua capacidade de exalar a aura de um menininho desprotegido.

Pois eu vesti minhas bolas - imaginárias - e também não me movi um centímetro sequer. Cruzei os braços e esse foi o único movimento que me permiti fazer, também observando um ponto longínquo atrás de Juca. Ao menos, para quem olhasse de fora, estaríamos parecendo um casal que tem alguma intimidade, tão curta a distância que nos separava, tão concentrados que estávamos em proteger a retaguarda um do outro.

Numa outra ocasião, ainda tomada pela burrice da paixão (também conhecida como "Fever"), lancei em alto e bom som: "Acho que vou desistir do Juca, estou perdendo muito tempo com ele."

Mais uma vez, ele vestiu suas bolas e devolveu, tão alto e claro quanto eu "Também acho que você está perdendo tempo."
Não sei se tentei me manter impassível, mas se tentei, fui fraca demais. O olhar inquisitivo, as bochechas ardendo num rosa delator, a voz trêmula: "É sério?"

"É. Não. Deixa eu me explicar." - Lá se vão as bolas.

"Por favor, não aqui. Não agora." - Levar um fora no meio do escritório  em frente a dois dos únicos colegas que tínhamos, não era uma opção. Mandei um bilhete, para ele entender de vez que eu não queria mais que nossa situação fosse expressa por via oral.

"Quando acabar o expediente, vamos tomar um suco?" (ambos temos aversão ao álcool)


Por quê? Por quê eu queria levar um fora? 

Talvez esperança de que pudesse fazê-lo mudar de ideia. Por sua vez, ele não queria me dar um fora, naturalmente, dada a covardia que habita os seres possuidores de pênis. Perguntou de quê serviria isso, que tinha de ir embora correndo, que havia muito trânsito, que o ônibus viria lotado que que que...

O suco não rolou, mas eu o acompanhei até o ponto de ônibus. Novamente, consigo ver-me, como se flutuando sobre mim mesma (com um martelo na mão, tentando em vão impedir a Joyce do passado de cometer tamanho erro).

"Juca, por mim eu continuava brincando, dando essas indiretinhas e tentando ficar com você, como se fosse uma adolescente. Mas como você foi tão incisivo, é melhor esclarecer de uma vez. Por quê não? Não gostamos um do outro? Somos jovens e desimpedidos e eu saberia cuidar muito bem de você."

Mate-me, mate-me agora! Por favor! - grita a Joyce flutuante.

Aí ele contou a historia de uma garota com quem ele ficou na empresa onde trabalhava antes, mas eu não conseguia ouvir, prestar atenção. Aparentemente, houveram problemas por eles trabalharem juntos. Não chegamos a concluir o percurso até o ponto do ônibus, ficamos na rua de trás do escritório de onde podia-se ver, no alto, a janela do chefe (luzes ainda acesas) e janela da nossa sala (luzes já apagadas).

Então agora me restava ir embora, certo? Não. Resolvi pegar o mesmo ônibus que ele, em direção ao centro da cidade, onde ele pegava o metrô e eu nem sabia que rumo ia tomar a partir de lá. Por quê?

Eu tenho essa tendência a não conseguir me despedir do amor. Não conseguir reconhecer que ele não existe, literalmente virar as costas e seguir o caminho da roça. Essa tendência suicida. Entrei no ônibus e fiquei calada? Não. Continuei insistindo. Ele não falava baixo, não me poupava da humilhação que, claramente, eu estava procurando. Gentil, mas resoluto, ele continuava negando e me convenceu a tomar o ônibus certo, em direção a minha casa de uma vez, e não em direção ao centro. Por fim, cedi, temerosa de que dar toda essa volta pela cidade pudesse me fazer chegar em casa muito mais tarde, mais tarde até do que quando eu me atrasava.

Me dei muito mal, tive que pedir a minha mãe que me desse uma carona na última parte da viagem, porque mesmo não me deslocando até o centro, eu já havia saído da minha rota. Cheguei em casa três horas depois de sair da empresa.


Aí sim, acabou. Vesti, agora, a casca "Garota, orgulhosa" e decidi trata-lo com cordialidade e simpatia até o fim. Fiquei um pouco mais quieta nos primeiros dias, mas depois, voltei ao normal. Não demorou muito, ele arrumou outro emprego. Ainda bem.

Talvez dois meses depois de ele ter saído da empresa, ligou-me saudoso e agradecido, como sempre. Conversamos bastante, mas nada de marcar encontros. Só um "just checking". Só pra saber se estava viva, talvez.

E eu estou. E estamos todos, acreditem! Ainda que eu ache que preciso muito aprender a ler os sinais do 'não' com maior antecedência ou, mais que isso, aceitá-los logo que os percebo, ainda acho melhor levar um fora no começo de uma historia, do que prolongar um sofrimento platônico por meses. Isso é coisa de adolescente. Adultos metem a cara, dão as bochechas à tapa, tiram armaduras e abrem o peito para fogo inimigo. E amigo.
E continua vivo.




*Preservamos os nomes dos reais envolvidos na situação, para evitar maiores constrangimentos.
**Preservamos os lugares também.

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