domingo, 20 de dezembro de 2009

Silêncio de meias palavras [fictício]




Os dois corpos estendidos sobre toalhas de praia, a areia correndo, ao sopro da brisa marinha, passando de leve por suas costas e partindo de volta para o monte de areia no chão. O Sol mais brando, passava das quinze horas.
De bruços, o rosto virado para o lado oposto do companheiro, ela fingia dormir. Mas uma pequena lágrima correu pela bochecha e foi repousar na toalha, discreta como uma espiã.
De barriga pra cima, a cabeça sobre os braços cruzados, ele ás vezes bufava, demonstrando sua irritação.

A viagem cansativa em busca daquele verdadeiro paraíso havia mechido com os ânimos do jovem casal.
Enquanto ela revirava o mapa em busca das saídas certas, ás vezes tinha de olhar pra aliança, pra se lembrar do quanto o amava. Amava a ponto de ter aceitado casar-se com ele, e viver o resto da vida sob o mesmo teto, as mesmas felicidades e problemas.
Ele preferia olhar a estrada, porque apesar de já ter perdido a paciência com a falta de senso de localização dela, queria que ela estivesse segura naquele carro. Ás vezes era difícil segurar o pé e não afundar de vez no acelerador. Mas ele sabia que ela tinha medo de velocidades muito altas.

Quando finalmente encontraram o lugar, ela inspirou profundamente o ar, e desejou com isso começar uma nova fase daquele dia. A fase feliz. Mas, fora do carro, longe da estrada, o humor de seu noivo ainda não estava melhor. Mal lhe dirigia a palavra, o que era justamente o que mais a magoava. Mais que palavras espinhudas.

Guardou as roupas dos dois no armário, enquanto ele terminava de acertar a estadia no hotel. Cheirou secretamente uma camiseta, sentindo o cheiro de sabonete e colônia pós-barba que tanto adorava. E ainda fantasiava sobre uma essência única, que só ele tinha. Um aroma perfeito, que a fazia dormir tranquila, acordar animada, e passar o dia com saudades. Sentiu aquela vontade ridícula de chorar, desejando que ele simplesmente se acalmasse, de uma hora pra outra, e entrasse naquele quarto com um sorriso enorme, trasendo qualquer coisa engraçada nas mãos e reclamando que as paredes do quarto eram finas demais pro barulho que eles iriam fazer de madrugada.

Resolveu tomar um banho rápido, apenas para espairecer e relaxar os músculos, contraídos ainda da longa viagem e pelo estresse.

Mas isso foi apenas a gota d'água para o noivo. Mal tinham chegado e ela já estava monopolizando o banheiro? Será que não pensava um segundo nas necessidades dele? Poxa, ele queria mijar!
Bateu a porta antes de sair, deixou o hotel a passos firmes. Entrou na primeira lanxonete que encontrou e pediu pra usar o banheiro.

Ela se enrolou na toalha e abriu a porta devagar:

_ Querido? É você?

Viu as chaves do carro sobre a penteadeira e estranhou aquela sequência de acontecimentos. A porta batendo, a ausência do companheiro... O que será, agora? Cinco minutos de banho e ele havia ficado mais nervoso? Agitou a cabeça e escolheu um bikini qualquer, um shortinho jeans, vestiu as sandálias e saiu, com o corpo ainda meio úmido, olhando pelos corredores, depois o saguão. Quando estava voltando pro quarto, ouviu a voz ele atrás de suas costas.

_ Tomou seu banhinho, dondoca?

Ela olhou-o confusa:

_ Tomei... fiquei assustada, foi você quem bateu a porta do quarto, né?

_ Claro.

Ela girou os olhos, sem entender a necessidade que ele tinha de ser sempre tão rude. "Claro" Custava responder sem ser ignorante? Apertou o passo e chegou mais rápido ao quarto.

Ele estava querendo ser desagradável, mas achava ela tão linda... Sabia que ela tinha se arrumado ás pressas, e era isso que lhe dava mais charme. Quando chegou ao quarto, ela estava penteando os cabelos. Agressiva, puxava os fios com força.

_ Vai ficar careca...

Ela apertou os lábios e fez uma careta, segurando um palavrão. Agora estava realmente irritada. Pra quê viajar com ela se ia ficar se comportando daquele jeito? Desprezando, dando respostas vazias ou fazendo comentários desagradáveis. Respirou fundo. Ainda preferia um comentário desagradável ao silêncio.

_ Vou pra praia.

Ela queria dizer "vamos", mas queria provocá-lo também. Sem efeito, porque ele deitou-se na cama e ligou a TV. Nem ao menos lhe respondeu. Ela saiu com a toalha debaixo do braço e fechou a porta com força. Quando já estava na praia, deitada e tentando não pensar no noivo, ele estendeu a toalha dele ao lado da dela, e deitou-se, bufando por não saber o que fazer sem ela por perto.

E ela deixou cair aquela lágrima, porque ainda que estivessem brigando, estavam juntos. Ela só queria poder se deixar ser agradável, sabendo que ele receberia sua atenção de braços abertos, sem ironias. E, especialmente, sem aquele silêncio aterrador de meias palavras.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Tá quente aqui, né?