sábado, 10 de outubro de 2009

16/06/09 - Não-biográfico

Ele veio até a minha casa. Sentou-se em meu sofá e pediu licença, para poder falar muito sério comigo, a sós. Eu podia sentir a torcida da família inteira, pesando sobre as minhas costas. Ele estava tão bem vestido, tão bem perfumado, e aqueles olhos... Meio puxados, escuros.
Sempre sério.
Segurou em minhas mãos e despejou a pergunta, que me atingiu como uma espada, ou um tiro.
'Você está a fim de outra pessoa, não é?'
'Não.'
'Não minta.'
'Então só posso dizer que não sei.'
'É uma bobagem...'
'Você continua vigiando meu orkut?'
'Nunca parei.'
Um frio percorreu minha espinha. Saber que ele ainda vigiava minhas conversas, minhas fotos. Saber que ele sabia. Assustador. E encantador.
Porque eu sou mulher, acima de tudo. E o espécime dominador ainda me atrai. O ciumento. Aquele que vai rasgar sua roupa e... enfim, não era hora pra esse tipo de pensamento, mas...
eu já estava corada.
'Que tal se tentássemos de novo? Dessa vez, eu deixo você ser você mesma.'
'Não tem jeito. Acabei mudando muito depois... você sabe. Agora sou diferente.'
Ele sorriu. De um jeito assim, como um professor, que percebe seu esforço. Mas eu não havia me esforçado, aquilo tinha simplesmente acontecido comigo. A mudança, eu quero dizer.
'Você é tão menina...'
Talvez para eu não ter reação, ele disse isso e veio pra mais perto. O rosto. Mais perto. Mais perfume. Mais olhos. Mais...
Afastei-me.
'Não seja estúpido, olhe quantas velas acendí no último bolinho que você trouxe para mim.'
'Deu um bocado de trabalho, eu bem deveria ter trazido velas em formato de números.'
'Engraçadinho.'
'Ainda assim, sou um ano mais velho que você. Sei mais da vida.'
'Claro. Você mudou de fraldas tamanho M para tamanho G antes de mim. Grande experiência, essa.'
Ele se afastou para rir. Segurou nas têmporas. Era assim... eu dizia algo sem a menor graça, e ele vinha com aquela risaiada. A desculpa era sempre "É o jeito como você diz as coisas, parece mesmo muito engraçado!" E eu ria junto com ele.

Um silêncio, para se recompor.

'Vamor voltar?'
'Não dá...'
'Por causa daquela besteira que você vêm pensando?'
'Não sei... mas não gostaria de entrar num relacionamento sem resolver essa besteira, como você a chama. Especialmente num relacionamento com você.'
'Isso é passageiro...'

Eu até sei disso. Mas não consigo assumir. Nem mesmo assumo que sinto isso.

Tomou minhas mãos. Tudo era tão perigoso quando ele tocava minhas mãos... As mãos dele têm algo especial.
'Eu sou pra sempre. Você mesma disse, foram muitas velas no último bolo.'
'Foram... mas eu não quero isso. Eu já disse.'
'Já disse. E ainda não quer que eu pense em você como uma menina. Alguém já conseguiu penetrar sua timidez?'
Alguma coisa no modo como ele disse "penetrar" me fez estremecer. Enrubecí novamente, que inferno.
'Não sei.
'Nem vai saber. Ninguém consegue. Só eu.'
'Não sei sobre isso.'
'Mas vai saber. Vou ver seu irmão se apresentar.'
'Quem te convidou?'
Ele apontou com a cabeça para a cozinha. Mas eu sabia. Tinha sido ela.

Se você me leu, deve achar interessante saber os pensamentos por trás do rosto inexpressivo de sempre.

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